Resumo: A proposta deste 11° Simpósio Nacional de Ciência, Tecnologia e Sociedade e as últimas provocações de Bruno Latour se aproximam. Se o momento é oportuno para pensarmos sobre o desenvolvimento científico e tecnológico e a urgência das questões ambientais, temos clareza de onde e como devemos aterrar? A obra deste autor convida ao exercício intelectual para a elaboração de descrições cada vez mais detalhadas das relações entre ação política e conhecimento científico. Tais descrições devem facilitar a compreensão da realidade revelando a fragilidade dos modernos quanto à autonomia das ciências e favorecendo, ao mesmo tempo, a ação coletiva na composição do mundo comum. Diante disso, o objetivo deste GT é reunir trabalhos que tenham encontrado na Teoria Ator-Rede, e outras que dialogam com ela, um caminho para compor tal desafio, ou seja, saber aterrar diante da urgência climática. Sabemos que os estudos sobre laboratórios impulsionaram o desenvolvimento da Teoria Ator-Rede, mas nos interessa saber o que acontece no encontro entre as pesquisas dos cientistas dos laboratórios (“naturais” ou “sociais”) com os pressupostos dessa teoria. Quais questões são colocadas? Seus objetos de estudo originais tornam-se eles próprios laboratórios? Como cada um deles “faz-fazer”? Qual relação se estabelece com a produção da realidade concreta? Acreditamos que devemos produzir conhecimento para um desenvolvimento ambientalmente sustentável e contraposto à insustentabilidade provocada pelo capital, desde que isso signifique proteger a “diversidade de status ontológico contra a ameaça de sua transformação em fatos e fetiches, crenças e coisas” (Latour, 2001, p. 332).
Coordenadoras: Viviane Fernandez de Oliveira (Universidade Federal Fluminense), Edilaine Albertino de Moraes (UFJF), Florence Mendez Casariego (UERJ)
Debatedora: Fátima Teresa Braga Branquinho (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
17/09/2025 – Sessão 01
- Horário: 14:00 – 16:00
- Local: Mirante do Rio – sala 304 (3o andar)
Encontros de doutorandos em ciências ambientais com a antropologia dos objetos de Bruno Latour: desafios e recursos vivenciados na elaboração dos relatos – Fátima Kzam Damaceno de Lacerda (UERJ), Fátima Teresa Braga Branquinho (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Viviane Fernandez de Oliveira (Universidade Federal Fluminense), Florence Mendez Casariego (UERJ)
Sabemos o que caracteriza uma tese de doutorado é a dedicação dos doutorandos em atender a todos os critérios para a elaboração de um texto dessa natureza. Contudo, para os que escolheram a Teoria Ator-Rede como um caminho epistemológico para observar o que normalmente não é percebido pelos princípios explicativos tradicionais das ciências sociais, fazer antropologia de objetos técnicos e científicos e escrever um relato arriscado, é desafiador. O que significa assumir a ação de humanos e não-humanos? A partir de que sinais podemos perceber o tempo em espiral? Quais são as dificuldades de abandonar a noção de tempo linear? O que essa noção tem a ver com a noção de revolução? Como rever o modo como realizamos nossas práticas científicas e passamos a observar a realidade de forma lenta, sem categorias prévias e sem conclusões apressadas? Como realizar uma prática científica que admite que o que chamamos de social não é o que explica, mas o que precisa ser explicado? Como estabelecer diálogo entre diferentes saberes, elaborados por culturas que não têm a ciência como postura epistemológica para ler e compreender o mundo? Afinal, o que é ser humano no século XXI? Considerando que as respostas a essas questões são os principais desafios enfrentados por doutorandos que cursaram disciplinas sobre a Teoria Ator-Rede, ministradas desde 2012, o objetivo deste trabalho é descrever os recursos, estratégias, modos de superação de desafios, desenvolvidos por pesquisadores do campo da antropologia das ciências e das técnicas.
Agroecologia como cosmopolítica: resistências pluriversais e ontológicas na Teia dos Povos no Rio Grande do Sul – Eduarda Paz Trindade (UFRGS)
Esta apresentação propõe uma análise das redes de resistência e autonomia tecidas pela Teia dos Povos Em Luta no Rio Grande do Sul, uma articulação que une comunidades indígenas, quilombolas, camponesas e urbanas na luta pela soberania territorial, alimentar e epistêmica. A partir da Teoria Ator-Rede de Bruno Latour e da cosmopolítica de Isabelle Stengers, a pesquisa investiga como práticas agroecológicas são articuladas como agenciamentos sociotécnicos que incorporam humanos e mais-que-humanos, reconfigurando o social e o natural em redes de cuidado e reciprocidade. Tomando como fontes cartas das Jornadas de Agroecologia e publicações nas mídias sociais da Teia, exploro como a agroecologia se apresenta como um projeto ontológico e epistemológico de resistência ao modelo capitalista e às epistemologias coloniais, promovendo a construção de mundos plurais e sustentáveis. A análise revela tensões e desafios internos e externos à Teia, incluindo o enfrentamento das crises climáticas e das pressões do agronegócio, que tornam urgente repensar as relações entre ciência, tecnologia e territórios. A pesquisa evidencia que a Teia dos Povos, ao reagregar práticas agroecológicas, desafia as hierarquias e dicotomias modernas e contribui para a criação de uma ontologia pluriversal, que integra saberes ancestrais, práticas comunitárias e relações simétricas entre humanos, plantas, bichos, sementes e entidades espirituais. Esta perspectiva se insere no debate sobre as cosmopolíticas necessárias para aterrar os desafios climáticos e ontológicos de nosso tempo.
Cecinepá nas encruzilhadas: metodologias figuradas para aterrar mundos em fricção – Jonathan Fenile de Castro (UNICAMP)
Cecinepá é uma plataforma-metodologia para a construção associativa de conhecimentos, projetada para mediar e aterrar mundos em fricção diante das crises socioecológicas do presente. O projeto articula a noção de “tentacularidade” de Donna Haraway com o “Princípio de Falsificação de Stengers-Despret” (PFSD), delineado por Latour, para compor uma meta-metodologia de aterramento. O PFSD impõe uma demanda rigorosa pela articulação de diferenças ao conhecimento científico, partindo da ideia de um corpo que se constrói e se estende conforme se sensibiliza a novos elementos. Este corpo latouriano é associado à tentacularidade – a qualidade de estender-se com cuidado para criar conexões – para forjar uma noção de saber que não separa cognição, afeto e relação: um saber-sensibilidade-laço. Compreendendo a aprendizagem como essa sensibilização mútua, o projeto desenvolve figurações narrativas e práticas afetivas para articular coletivamente estes saberes. O objetivo é estimular a sensibilidade entre humanos e não-humanos, de modo a compor um mundo comum aterrado no Chthuluceno.
Consumidores, Veículos Elétricos e Greenwashing: Uma Leitura Antropológica e Ator-Rede da Eletromobilidade – Evelyn Rodrigues Anastacio (UFSCAR)
Este trabalho investiga a relação entre consumidores brasileiros e veículos híbridos e elétricos por meio da Teoria Ator-Rede, considerando esses veículos como componentes ativos de redes sociotécnicas marcadas por disputas simbólicas. O objetivo é compreender como o consumo desses veículos se configura a partir de uma perspectiva antropológica que reconhece os consumidores como sujeitos culturais, portadores de significados, valores e práticas sociais que influenciam suas escolhas. A pesquisa utiliza uma abordagem qualitativa baseada no marketing antropológico, analisando como os veículos elétricos são apresentados como soluções sustentáveis, mas também como as práticas de greenwashing ocultam impactos ambientais importantes, como os relacionados à produção das baterias. Os resultados indicam que consumidores e veículos participam de uma rede complexa onde tecnologias, estratégias de mercado e significados sociais se entrelaçam, revelando uma dinâmica de construção de sentidos que ultrapassa o discurso simplificado da sustentabilidade. A partir dessas análises, o estudo busca contribuir para a reflexão sobre a necessidade de “saber aterrar” diante da urgência climática, promovendo uma compreensão detalhada das relações entre ciência, consumo e política para ampliar a ação coletiva na construção de um mundo comum.
VI Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente: juventudes, justiça climática e educação crítica – o caso do Ceará – Monica Simioni (FURG)
A Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente (CNIJMA) é uma política pública participativa voltada à mobilização de estudantes do ensino fundamental em torno da defesa da vida, da sustentabilidade e da justiça climática. Este trabalho apresenta uma análise crítica e aplicada da implementação da CNIJMA em municípios do Ceará, com foco especial na articulação do tema desta edição: a justiça climática. A partir de uma abordagem metodológica ativa, que articula escuta qualificada, diagnósticos participativos e mediação intercultural, foram acompanhados os processos formativos e mobilizadores das conferências municipais, promovendo o protagonismo estudantil na formulação dos Projetos de Ação, na criação das Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida nas escolas, e na eleição dos delegados representantes das escolas. O trabalho evidencia os desafios enfrentados por educadores e estudantes em contextos marcados por desigualdades no acesso a direitos socioambientais, como saneamento básico, água potável e conectividade digital. Também destaca a potência das juventudes na formulação de respostas criativas e territorializadas às mudanças climáticas, valorizando os saberes locais e os direitos das infâncias. A CNIJMA, mais do que um evento, afirma-se como processo educativo contínuo e potente para uma educação ambiental crítica, interseccional e comprometida com a transformação social.
Jornadas pedagógicas para aterrar saberes e práticas diante da crise climática – Carolina Franco Esteves (Cemaden), Felipe Augusto Santos (UNESP), Heloisa Tavares de Mattos Martins (UNESP), Aloísio Lélis de Paula (UNESP), Priscilla Françoso (UNESP), Rachel Trajber (Cemaden)
A emergência climática reflete o colapso de um modelo de desenvolvimento baseado na exploração desigual de pessoas e territórios. Esse novo regime climático exige respostas educativas urgentes, que articulem justiça social e ambiental. A educação ambiental climática crítica busca formar sujeitos capazes de compreender os riscos, enfrentar as injustiças e promover mudanças locais e globais. É nesse contexto que se insere a proposta das Jornadas Pedagógicas do Programa Cemaden Educação, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, concebidas como percursos formativos construídos em diálogo com escolas e comunidades vulnerabilizadas, integrando princípios da educação em redução de riscos de desastres. Organizadas em três níveis de aprofundamento (Semente, Planta e Árvore), as Jornadas integram a pesquisa-ação participativa com metodologias ativas de aprendizagem, valorizando a ciência cidadã, os saberes locais e a leitura crítica do território. Entre as estratégias estão cartografias participativas, educomunicação, história oral, rodas de conversa, redes de monitoramento da chuva, experimentos simples e produção cultural. Essa prática fomenta a cidadania e redes de observação e monitoramento locais, contribuindo para a segurança comunitária. Estimula o diálogo entre cientistas, educadores e estudantes, valorizando o conhecimento vivido e o protagonismo juvenil. As jornadas consolidam-se como instrumento de educação transformadora, voltado à construção de sociedades mais resilientes e comprometidas com a justiça socioambiental.
19/09/202 – Sessão 02
- Horário: 13:30 – 15:30
- Local: Mirante do Rio – sala 304 (3o andar)
Turismo de base comunitária e mudanças climáticas sob a ótica da Teoria Ator-Rede: atores, relações e controvérsias em realidades latino-americanas. – Edilaine Albertino de Moraes (UFJF), Yasmin Xavier Guimarães Nasri (UFRJ), Aline Emy Fuguhara (UFJF), Teresa Cristina de Miranda Mendonça (UFRRJ)
Em meio as principais transformações e riscos globais contemporâneos ligados às questões ambientais e climáticas, este estudo se baseia na Teoria Ator-Rede para a compreensão de experiências de turismo de base comunitária na América Latina, tendo em vista a escassez de pesquisas sobre esse tema e abordagem teórico-metodológica no Sul global. Partindo dessa lacuna, descrevemos as relações entre turismo de base comunitária e mudanças climáticas em áreas vulneráveis no Brasil, Cuba, Equador, México e Panamá. Diante de um cenário diverso, refletimos sobre pistas e caminhos na composição de ações coletivas pela via do TBC, que contribuem para orientar onde aterrar e como se posicionar politicamente na urgência climática. Nesse sentido, desde 1990, estudos sobre TBC têm proporcionado novas visões e associações diante do aumento das resistências aos modelos turísticos dominantes, por buscar criar oportunidades para a melhoria da qualidade de vida de parcela da população em situação de vulnerabilidade, fortalecer práticas organizativas coletivas e solidariamente, afirmar o compromisso de conservação da natureza e garantir o acesso aos direitos de povos e comunidades tradicionais. Todavia, riscos e desastres climáticos, como alagamentos, aumento da temperatura, falta de chuva, aumento do nível do mar, transformação das paisagens naturais, têm afetado cada vez mais essas práticas. Nessa abordagem, diferentes perspectivas, atores e interesses influenciam conceitos, ações e controvérsias neste debate temático, que vem ganhando importância e atenção pública.
Bombas de sementes como alternativa para aterrar em tempos de crise climática: um estudo à luz da Teoria Ator-Rede (ANT) – Tatiana de Araujo (UERJ), Fátima Kzam Damaceno de Lacerda (UERJ)
As bombas de sementes (Nendo dango), técnica de plantio e reflorestamento desenvolvida pelo Fukuoka, consiste em formar pequenas bolinhas ao misturar argila, húmus, sementes e água que são lançadas sobre áreas degradadas articulando atores humanos e não-humanos na recomposição de ecossistemas degradados. Este trabalho busca analisar as bombas de sementes à luz da Teoria Ator-Rede, investigando como uma oficina com licenciandos em Ciências Biológicas, em Nova Friburgo, não apenas ativam processos germinativos, como também fazem-fazer, ou seja, desencadeiam práticas coletivas entre saberes científicos e tradicionais, ressignificam vínculos entre pessoas, plantas, solo e futuros possíveis ao suspender a dicotomia entre natureza e cultura. Neste contexto, a técnica não só emerge como uma alternativa prática para a recuperação, como também se configura como uma alternativa para “adiar o fim do mundo”, se tornando além de um ato técnico, um gesto político, poético e simbólico, reconfigurando agências, promovendo esperança e reafirmando a urgência de aterrar, isto é, de compor mundos comuns como resistência frente à crise climática e aos desafios ambientais contemporâneos. Ao propor a recomposição do mundo, o estudo reforça a importância de práticas que, ao mesmo tempo, regeneram ecossistemas e ampliam horizontes de esperança e ação coletiva. Sendo assim, a abordagem proposta visa ampliar o entendimento da prática, tornando visíveis as mediações entre ciência, técnica e sociedade, valorizando sua dimensão sociotécnica e seu potencial de transformação diante da urgência climática.
Cosmopolítica do carbono: a escolha pelo progresso ou um avanço no retrocesso? – Simone Benevento Mota (UERJ), Viviane Fernandez de Oliveira (Universidade Federal Fluminense)
Na Contribuição Nacionalmente Determinada, o Brasil reconhece a crise climática e projeta um futuro de baixo carbono para a sociedade, a economia e seus ecossistemas. Além de lançar o Pacto Nacional pela Transformação Ecológica, tendo como base a equidade, a ciência e os saberes ancestrais. O Brasil também figura como líder das negociações climáticas e sediará a 30° Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas, em Belém. Paradoxalmente, a perfuração de poços de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas vem se concretizando e mais 34 poços (19 nesta Bacia) foram arrematados no 5° leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis, ampliando a fronteira de expansão petrolífera. Quais duelos lógicos serão utilizados para validar e justificar a ampliação da exploração de combustíveis fósseis diante da retórica de um futuro de baixo carbono com metas ambiciosas na Contribuição Nacionalmente Determinada? Esta Conferência será apenas o palco de mais um teatro das operações climáticas ou realmente apontará novos caminhos para um novo mundo possível através do “mutirão climático”? Como os povos tradicionais, que sofrem a pressão desses mega-empreendimentos em seus territórios, impactando seus modos de vida, poderão negociar com legitimidade se não foram nem consultados segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho? A pesquisa objetiva cartografar esta controvérsia à luz da Teoria Ator-Rede. A mutação climática já se concretiza no cotidiano dos brasileiros e reforça as desigualdades, não havendo espaços para mais retrocessos disfarçados de progresso.
Conexões e controvérsias na Rede Cearense de Turismo Comunitário (TUCUM- Brasil) – Rosa Maria Leite Ribeiro Pedro (UFRJ), Edilaine Albertino de Moraes (UFJF)
Esta pesquisa se baseia na Teoria Ator-Rede para investigar empiricamente o tema Turismo de base comunitária. Trata-se de uma prática de base endógena que busca a inclusão e valorização dos modos de vida de povos e comunidades tradicionais e dos seus territórios, segundo o compromisso de justiça, solidariedade e conservação. No entanto, a discussão sobre o TBC sob a perspectiva da ANT ainda é incipiente. Com base nessa lacuna, descrevemos como essas práticas são permeadas por controvérsias na Rede Cearense de Turismo Comunitário (TUCUM), que se estende pela Zona Costeira Cearense. Essa iniciativa pioneira, lançada em 2008, vem articulando naturezas, culturas, pescadores artesanais, etnias indígenas, agricultores familiares, assentados rurais, quilombolas e moradores de periferias urbanas. O tema da comercialização do TBC foi compreendido de modo controverso aos interesses de defesa do território tradicional. Igualmente, o modo de funcionamento da Rede TUCUM, em relação aos instrumentos de gestão, à administração financeira e às estratégias de comunicação para o planejamento e desenvolvimento de projetos nessa direção. Além disso, outra questão polêmica relacionada ao TBC foi investigada em relação às políticas públicas, programas e projetos de turismo, bem como outras iniciativas governamentais em andamento no país. Diante dessas controvérsias, pode-se afirmar que, embora se reconheçam alguns avanços sobre o tema, ainda predominam na produção bibliográfica perspectivas que se baseiam na dualidade entre o compromisso “social” e a valorização econômica dessa prática.
Do refúgio inconveniente de alguns manguezais: um estudo multiespécies no sudeste do Brasil – Viviane Fernandez de Oliveira (Universidade Federal Fluminense), Simone Benevento Mota (UERJ), Fátima Teresa Braga Branquinho (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Fátima Kzam Damaceno de Lacerda (UERJ)
Trata-se de um estudo sobre a produção de conhecimento em situações onde espécies vegetais de mangue desestabilizam acordos estabelecidos. Grande parte da cobertura original dos manguezais no mundo foi perdida para agricultura, aquicultura e crescimento urbano, apesar do reconhecimento de sua importância. Em contraposição, sua recomposição tem ocorrido em função de negociações para que intervenções humanas realizem a restauração e conservação ambiental. O que fazer quando essas plantas ocupam terrenos disponibilizados por mudanças ambientais que as favorecem sem que houvesse um planejamento humano prévio para isso? Ou pior: e quando a formação autônoma da floresta nesses refúgios inconvenientes passa a incomodar? Recolhemos registros de moradores de duas áreas do sudeste do Brasil que reclamam pela desvalorização de seus imóveis ou comércio, dificuldades para pesca ou transformação de balneários. Identificamos que os argumentos de ambientalistas, gestores, pesquisadores e juristas são enfraquecidos diante da fala de que a nova floresta não deveria estar ali, pois antes não estava. São manguezais malcriados, como as ovelhas de Vinciane Despret. Assim, podemos dizer que seu ato de resistência traz problemas tanto para seus defensores, como para os reclamantes. Tais histórias merecem ser contadas observando os novos mundos que as espécies vegetais têm ajudado a construir.
Conhecimento científico e ação política: qual é a distância entre eles quando o assunto é possibilidade da cura pelas plantas medicinais? – Fátima Teresa Braga Branquinho (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Florence Mendez Casariego (UERJ), Tatiana de Araujo (UERJ)
Uma pesquisa iniciada em 1990, a partir de um projeto de extensão da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro sobre corpos, saúde e cura com as plantas que curam convida à reflexão sobre a relação entre diferentes manifestações da vida e produção do conhecimento. O que os saberes sobre as plantas medicinais podem falar sobre nós, sociedade científica e técnica? Estórias de cura com plantas medicinais podem ser reconhecidas como verdadeiras? O objetivo deste trabalho é mostrar como os estudos sociais da ciência favorecem a descrição de nossa realidade emaranhada e precária fertilizando nossa imaginação sobre outros mundos possíveis. Afinal, como a frustração inaugurada pelo pensamento moderno com a promessa proposta por alguns de um progresso para todos pode ser revisitada pela reflexão sobre outros modos de existência? O que as plantas podem falar do caminho de uma pesquisadora em busca da compreensão da possibilidade de construção de um mundo comum mais que plural?
