Resumo: Em sua terceira edição, objetivamos com o GT refletir sobre as interlocuções entre o campo dos Estudos CTS e a saúde. Em uma perspectiva interdisciplinar, destacamos o papel da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para a construção de agendas e políticas públicas na saúde, em meio às tensões entre o global e o local. Nossa intenção é debater como a experiência da/na saúde acontece na contingência do tempo, a partir de materialidades, práticas e apropriações simbólicas movimentadas por saberes locais. Esses emaranhados dão a tônica da importância dos recortes de classe, raça e gênero, pois consideramos que eles expõem trânsitos desiguais da saúde e das doenças na sociedade. O pós-Segunda Guerra Mundial suscitou novas miragens para a saúde. A partir daí, emergem fenômenos que unem a tecnologização e um processo de especialização no qual os campos biomédicos se afunilam. Configurações ainda em curso demonstram as mutações do próprio conceito de saúde, a inserção de perspectivas multifatoriais, além de outras vinculadas aos processos de profissionalização. Tais fenômenos acontecem em um regime tecnocientífico que tenta apagar muitas intersecções de forma deliberada, o que nos motiva também a perceber a saúde nas engrenagens do mercado, no ímpeto inovacionista e na força do fetichismo tecnológico. Desse modo, a tecnociência também impacta na forma com que são tratados problemas de saúde pública, doenças ditas negligenciadas, determinadas socialmente, além de episódios endêmicos e pandêmicos que se repetem historicamente. O GT busca acolher perspectivas teóricas, reflexões sobre as profissões em saúde, o papel das instituições, a relação com as doenças, o SUS e as agendas CT&I, avaliações de tecnologias em saúde, agendas e políticas públicas, reflexões sobre as tensões entre o Estado e os agentes privados, o papel da Big Pharma e de outros atores privados, além de experiências e práticas locais de resistência que buscam a promoção da saúde
Coordenadores: Bráulio Silva Chaves (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG), Polyana Aparecida Valente (UEMG)
17/09/2025 – Sessão 01
- Horário: 14:00 – 16:00
- Local: Mirante do Rio – sala 211 (2o andar)
Limites e desafios da ciência regulatória no caso da maconha para uso medicinal – Marina Granato (Universidad de Salamanca)
A regulamentação do uso medicinal da maconha no Brasil evidencia os desafios da ciência regulatória — conceito do campo CTS que se refere à mobilização de conhecimentos científicos para informar decisões políticas e regular políticas públicas. A Anvisa tem assumido o protagonismo na criação de normas de acesso à maconha medicinal, frente à inércia do Ministério da Saúde e do Congresso Nacional em regulamentar o tema. A agência exige evidências clínicas robustas, especialmente ensaios clínicos randomizados (RCTs), padrão-ouro para aprovação de medicamentos. Contudo, no caso da maconha, essa exigência apresenta limitações. A proibição histórica da planta dificultou (e ainda dificulta) a produção de estudos clínicos. Ademais, os RCTs demandam tempo e recursos, o que retarda o acesso de pacientes a terapias que já contam com respaldo em saberes locais e experiências clínicas. Mesmo com evidências disponíveis, a ciência regulatória mostra-se vulnerável à instrumentalização da ciência no caso da maconha, refletindo disputas subjetivas que polarizam o debate. Sob o argumento de que “sem evidência não há aprovação”, a regulação do uso medicinal da maconha segue bloqueada, privando pacientes de tratamentos e figurando um problema de saúde pública. É necessário revisar o modelo de ciência regulatória para o caso da maconha, com ênfase na incorporação de formas complementares de evidência. Este estudo de caso oferece um terreno fértil para refletir sobre os critérios de validação do conhecimento e os limites epistêmicos e políticos da regulação sanitária em temas controversos.
Controvérsias político-científicas da cannabis medicinal: canabinoides e a canabização do humano – Victor Luiz Alves Mourão (UFV)
Este trabalho visa apresentar uma análise do campo científico-medicinal da cannabis de modo a enfatizar que a formulação dos objetos científicos de substâncias presentes na planta (canabinoides) promoveram não só um processo de medicalização da cannabis mas também uma reorientação cognitivo-ontológica e moral de nossas relações com a planta (canabização do humano). Para tal proponho uma reflexão que identifica os eixos cognitivos do debate público sobre maconha/cannabis, tentando delinear os principais pontos de uma controvérsia que se instaura a partir da publicação do “Decálogo sobre a Maconha”, documento/manifesto conjunto da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), e da principal resposta a este Decálogo, realizada pela Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC). Lastreada pela proposta de análise de controvérsias científicas, a análise busca demonstrar que há uma posição heurística divergente que está correlacionada a tomadas de posição políticas e cognitivas dissímiles, lastreadas pela emergência de um paradigma marcada pela noção de sistema endocanabinoide, além de outros conceitos correlatos. A lógica de construção desse paradigma e conformação do campo científico-medicinal da cannabis promove a reorientação aludida ao entronizar cognitivamente os canabinoides no corpo humano e vinculá-los ao funcionamento normal, regular, dos processos fisiológicos que nos constituem corporalmente. Essa entronização dos canabinoides promove uma redução da eficácia simbólica e do pânico moral associado ao paradigma proibicionista.
Todo corpo gordo é um corpo doente? As lógicas do cuidado no tratamento da obesidade por médicos no Instagram – Luíza Moura Tavares da Silva (UFRGS), Maycon Noremberg Schubert (UFRGS)
A obesidade tem ganhado destaque global nas últimas décadas como uma doença a ser combatida, diagnosticada principalmente pelo Índice de Massa Corporal (IMC), que relaciona peso e altura. No entanto, esse indicador é limitado: não distingue ossos, musculatura, vísceras, água, sangue e gordura, por exemplo, além de não considerar diferentes biotipos, corpos com deficiência física ou transexuais. Além disso, a adiposidade como marcador de doença também é uma forma de patologizar a diversidade corporal. Ademais, os corpos gordos também são corpos estigmatizados por um preconceito denominado ‘gordofobia’, que é manifestado em alguns âmbitos: estética, acessibilidade e na área da saúde. Nesse sentido, é preciso que esse debate também seja feito nas ciências sociais, não exclusivamente da epidemiologia, já que a obesidade é uma preocupação de saúde pública e um estigma social (Poulain, 2013). Nesse contexto, esse estudo, a partir do resultado de uma dissertação de mestrado em sociologia, investiga como é feito o cuidado de corpos gordos, ou seja, classificados com obesidade, por três médicos que recorrentemente publicam suas práticas médicas no Instagram. O aporte teórico-metodológico se deu à luz da teoria do cuidado e da praxiografia de Annemarie Mol. A análise revela que os tratamentos propostos são centrados unicamente na perda de peso dos indivíduos, em que pacientes se tornam clientes, pela lógica da escolha (Mol, 2008), a partir de elementos mercadológicos em que a saúde é reduzida a uma escolha individual e a um bem de mercado e não como um direito.
Toxicologia do bisfenol como desregulador endócrino e suas implicações para o desenvolvimento humano: uma revisão integrativa – Mateus Silva Araújo (UFPA)
Desreguladores endócrinos (DEs) são agentes químicos exógenos que interferem na sinalização hormonal. Com as mudanças climáticas e o uso de agrotóxicos, plásticos e compostos químicos, a exposição a essas substâncias tornou-se mais evidente nos grandes centros urbanos pela presença de plásticos e similares. O bisfenol A (BPA) é um DE amplamente estudado devido aos seus efeitos no organismo humano, especialmente durante o desenvolvimento. Objetivos: Realizar uma revisão integrativa sobre os impactos tóxicos do BPA como desregulador endócrino e suas implicações para o desenvolvimento humano decorrente da exposição. Conclusão: o BPA causa efeitos nefrotóxicos, estresse oxidativo, destruição de neurotransmissores, excito toxicidade, inflamação, tendência a distúrbios neuropsicológicos e déficits cognitivos, percebeu-se a falta de estudos da coexposição com outros DEs. Esses achados alertam para os impactos na saúde pública, porém ainda á lacunas no conhecimento sobre mecanismos de ação e efeitos a longo prazo. A ausência de uma base de dados específica sobre DEs no Ministério da Saúde o que agrava as incertezas epidemiológicas, o que permanece aberto a novas investigações. Diante desse cenário a tecnociência pode contribuir na criação de materiais alternativos ao BPA, políticas públicas de regulação do uso e prevenção, contribuindo de forma decisiva com o uso de tecnologias avançadas como biossensores, espectrometria e inteligência artificial, sendo possível detectar o BPA com precisão e estudar seus efeitos em nível molecular, modelos celulares e animais
SoFiA: Agroecologia como Estratégia de Promoção da Saúde na Escola – Rayssa Laleska de Oliveira Costa (PUC MINAS), Bráulio Silva Chaves (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG)), Lucas Araújo Dutra Rodrigues (Fiocruz), Nicole Augusta Faria da Silva (CEFET/MG)
O Programa SoFiA, desenvolvido no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, promove divulgação científica e extensão popular, realizando atividades na Escola Estadual Professora Nair de Oliveira Santana, situada na Cabana do Pai Tomás — considerada a maior favela de Belo Horizonte. O programa se orienta pelo uso de espaços agroecológicos para articular prática e reflexão, constituindo ambientes de experimentação e aprendizado. Projetados colaborativamente, estão em implementação o sistema agroflorestal, uma horta, um mudário e um sistema de compostagem, viabilizando a ressignificação de áreas ociosas na escola, práticas interdisciplinares e o reaproveitamento de resíduos da cantina. Além das funções ambientais e pedagógicas, os espaços agroecológicos ganham relevância como práticas de bem-viver. Tais espaços visam promover a saúde em conceito ampliado, compreendida não apenas como ausência de enfermidades, mas como bem-estar físico, mental e social. A agroecologia, integrada ao cotidiano escolar e comunitário, torna-se uma estratégia potente de promoção da saúde, ao criar espaços de convivência mediados pelo cultivo da terra, alimentação saudável e discussões sobre justiça socioambiental. A metodologia adotada é a pesquisa-ação, que orienta o projeto por princípios colaborativos e voltados à transformação social, expressando o compromisso com uma ciência socialmente referenciada e sensível às demandas locais. Espera-se, como resultado, a transformação dos espaços escolares e a promoção da saúde, sustentadas pelo fortalecimento de vínculos territoriais.
18/09/2025 – Sessão 02
- Horário: 14:00 – 16:00
- Local: Mirante do Rio – sala 211 (2o andar)
Entre gaiolas, exames hormonais e revistas: o Laboratório de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina (1948 – 1952) – Isabella Bonaventura de Oliveira (UNIFESP)
Este trabalho analisa as estratégias de financiamento do Laboratório de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina, em seus primeiros anos de atividade, ou seja, entre 1948 e 1952. O laboratório foi instalado por José Ribeiro do Valle e oferecia serviços particulares como testes hormonais e de gravidez.
Este pesquisador era professor catedrático da Escola Paulista de Medicina desde 1939. Até 1948, as atividades experimentais de Ribeiro do Valle se concentraram no Instituto Butantan, recebendo financiamentos públicos. Diante da crise vivenciada nos institutos de pesquisa de São Paulo, Ribeiro do Valle transferiu seu laboratório para instituição onde lecionava. Entretanto, a Escola era uma entidade privada e dispunha de poucos recursos para a pesquisa. Nos primeiros anos de atividade, o Laboratório de Endocrinologia recebeu uma crescente demanda por exames hormonais, de modo que os rendimentos obtidos foram investidos em material para pesquisa, pagamento de auxiliares e assinatura de periódicos especializados. O recrutamento de auxiliares não se limitou à realização dos exames, tais pesquisadores(as) se envolveram na realização de experimentos farmacológicos, na publicação de artigos e apresentações acadêmicas. Sendo assim, pretende-se discutir estratégias para o financiamento de pesquisas nos anos que antecederam a instalação da Capes e do CNPq. Além disso, veremos como atividades cotidianas, relações hierárquicas e de gênero propiciaram a elaboração de experimentos farmacológicos, classificados posteriormente atividade científica desinteressada e descorporificada.
Fundação Rockefeller e a criação da Faculdade de Medicina de Cali: circulação do conhecimento científico na América Latina (1950-1960) – Ricardo dos Santos Batista (UFBA)
Esta comunicação tem como objetivo analisar a criação da Faculdade de Medicina de Cali, na Colômbia, com apoio da Fundação Rockefeller, em um contexto de modernização do ensino médico na América Latina. Nos anos 1950, a agência internacional também criou escolas como a de Medicina da Universidade de São Paulo/Ribeirão Preto e a Paulista de Medicina. As fontes utilizadas são relatórios, cartas e fotografias coletados no Rockefeller Archive Center, analisados a partir do paradigma indiciário proposto por Carlo Ginzburg. Conclui-se que os médicos de Cali desejavam o apoio da Rockefeller e que contribuíram financeiramente e intelectualmente para o acordo com a agência filantrópica, o que tornou a Faculdade de Medicina um centro de formação internacional e de intercâmbios científicos, mas também houve decisões locais que demonstram a autonomia Colombiana nesse processo. A partir dessa análise é possível problematizar a ideia de modernização do ensino de demonstrar disparidades da sua implementação em diferentes lugares da América Latina, a partir do exemplo de Cali.
O caramujo, o parasita e a produção tecnocientífica: uma crítica o conceito de saúde única a partir da esquistossomose (1960-2025) – Bráulio Silva Chaves (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG))
Objetiva-se apresentar uma reflexão crítica ao conceito de saúde única, tendo a esquistossomose como um caso exemplar. A partir dos anos 2000, a ideia de uma saúde única – como integração da saúde humana, animal, vegetal e ambiental – foi corporificada, agitada pela saúde global em um contexto de disseminação de agentes patógenos associada ao meio ambiente e às zoonoses. Dois argumentos são trazidos: (1) a saúde única padece de uma visão ontológica frágil, ao unificar artificialmente dimensões separadas na Modernidade, que estão na base do capitalismo, como sujeito/objeto, humano/natureza; (2) a saúde única tem compromissos com a produção tecnocientífica, sobretudo biomédica, configura-se em estratégia discursiva que paira como uma conexão entre diversos campos, mas sem efetividade nas práticas sociais. Na primeira parte, faz-se um balanço histórico do conceito de saúde única, demarcando a sua recorrência no contexto brasileiro. Na segunda, tem-se o caso da esquistossomose como uma possibilidade de enraizar a crítica proposta, como uma doença que historicamente agencia – de forma material e recíproca – o caramujo, o parasita, humanos e natureza por meio de uma produção tecnocientífica que é um obstáculo real à ideia de saúde única. O trabalho aponta para o fato que a cooperação, a coordenação e a articulação entre a saúde humana, animal e ambiental depende de uma ontologia que somente será possível em outro projeto de sociedade, marcadamente anticapitalista.
Mulheres quilombolas do Vale Jequitinhonha, gênero, mandioca e cultura alimentar como saúde e bem viver – Polyana Aparecida Valente (UEMG)
A presente proposta visa problematizar a presença das mulheres nos quilombos no Brasil, tomando como ponto de partida as mulheres da Comunidade Quilombola Córrego Narciso localizada no munícipio de Araçuaí no Médio Jequitinhonha. O objetivo é pensar como a articulação dessas mulheres na produção de mandioca deixam pistas sobre a presença das mulheres nos quilombos brasileiros e as possíveis conexões diaspóricas transatlânticas e noções de saúde e bem viver. Sabe-se que são muito incipientes os estudos sobre a presença das mulheres nos quilombos brasileiros dos séculos XVII, XVIII e XIX, só mais recentemente, observamos esforços para mapear e compreender como as mulheres atuaram dentro dos quilombos. Tais esforços passam, por aquilo que chamamos de mitos da memória coletiva. Para o historiador Flávio Gomes (2015) esses mitos perpetuados pela oralidade podem ajudar a revelar vestígios sobre a presença histórica das mulheres nos quilombos. Desse modo, entendemos que uma chave para produzir novos olhares sobre a atuação das mulheres nos quilombos do passado pode ser o estudo das manifestações culturais e a produção alimentar protagonizada pelas mulheres remanescentes de quilombos e todas as dimensões dessa produção: espaços de sociabilidade, saúde, bem-viver, geração de renda, arquitetura dos quintais e entre outros. Nosso objetivo é mobilizar discussões sobre os sentidos do quilombo antigo e na contemporaneidade, as diásporas, as dinâmicas sociais e de gênero produzidas no quilombo, a relação com o território e a agência dos corpos das mulheres na interface com os estudos CTS.
Entre a política, saúde e o prato: o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e a agenda da alimentação escolar no Brasil (1990-2025) – Lucas Araújo Dutra Rodrigues (Fiocruz), Bráulio Silva Chaves (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG)), Celina Maria Modena (Fiocruz)
O trabalho parte da compreensão ampliada de saúde, ancorada na determinação social, e da alimentação como prática social complexa que expressa relações entre seres humanos e natureza, abrangendo dimensões culturais, políticas, econômicas e ecológicas. Categorias como sistemas, regimes e impérios alimentares são mobilizadas para discutir a fome como expressão da crise estrutural do capitalismo e para refletir sobre formas de resistência ao sistema agroalimentar hegemônico, com ênfase na agroecologia, que propõe outros modos de produção, consumo, vida e saúde. O trabalho visa analisar a formação da agenda, a formulação e implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no Brasil, desde os anos 1990, destacando seu papel como política pública de promoção da saúde, alimentação adequada, fortalecimento da agricultura familiar e resistência aos impérios alimentares. A metodologia utilizada é qualitativa, com base em revisão bibliográfica, pesquisa documental de fontes oficiais e entrevistas semiestruturadas com atores sociais envolvidos na formulação do PNAE. A análise será conduzida a partir da análise de conteúdo, integrando referenciais da psicologia social da comida e das representações sociais. O estudo oferece uma leitura crítica do PNAE como política de saúde pública, destacando seus avanços, limites e impactos no sistema alimentar brasileiro e nas práticas alimentares escolares. O PNAE constitui um instrumento estratégico para a promoção de alimentação saudável e agroecologia, mesmo diante dos desafios impostos pelo regime alimentar corporativo.
19/09/2025 – Sessão 03
- Horário: 13:30 – 15:30
- Local: Mirante do Rio – sala 211 (2o andar)
Zika, a tecnopolítica do cuidado e as políticas científica, tecnológica e sanitária de uma doença – Jonatan Jackson Sacramento (UFSJ)
Políticas sanitárias são políticas reprodutivas. Nesse sentido, o objetivo desse texto é analisar a tecnopolítica do cuidado no contexto da epidemia brasileira de Zika. Partindo da ideia de que ciência e sociedade se coproduzem, argumento que as respostas sanitárias e científicas ao Zika e a microcefalia estiveram marcadas por imaginários de gênero e por pânicos e economias morais em torno da ideia de maternidade e do (risco) das gestações imperfeitas. Para tanto, lanço mão de uma etnografia dos documentos (protocolos de saúde e artigos científicos), para mostrar que esses mesmos imaginários, pânicos e economias morais foram conformados pelos processos de construção da epidemia de Zika, suas práticas de vigilância em saúde e dos cuidados médico-terapêuticos. Ao passar por escrutínio sociológico as práticas científica, tecnológica e sanitária da epidemia de Zika, demonstrarei como as políticas sanitárias devem ser entendidas como políticas reprodutivas estratificadas por gênero e por outros marcadores da diferença, e que a ideia de cuidado em saúde deve ser entendida como uma tecnopolítica, um dispositivo que produz e coloca em discurso saberes e práticas sobre corpos, mosquitos, fetos e fluídos corporais. Como uma política reprodutiva, as respostas à epidemia de Zika podem ser entendidas como parte de um fenômeno maior de governança reprodutiva que busca disciplinar, controlar e gerir os comportamentos reprodutivos e as práticas populacionais através, inclusive, dos processos de produção de conhecimentos científicos.
Vigilância em tempo real: coproduções de emergências de saúde pública – Glaucia Cristina Maricato Moreto (UFRGS)
Com base na antropologia da ciência e da tecnologia e nos estudos críticos da saúde global, este trabalho tem por objetivo refletir sobre o desenvolvimento, usos e efeitos de bases de dados como aliadas centrais nos esforços de antecipação/detecção de emergências de saúde pública. Trata-se de um projeto de pesquisa de pós-doutorado, atualmente em fase inicial, que propõe explorar a multiplicidade de elementos heterogêneos que tomam parte nas redes sociotécnicas de deflagração de alertas para potenciais epidemias e pandemias. O foco está direcionado, sobretudo, para processos de classificação/quantificação que inelutavelmente participam do enquadramento de certos “eventos epidemiológicos” como emergências. A pesquisa é orientada pela seguinte questão: como são desenvolvidos/operados os bancos de dados e constituídas/definidas as “evidências finais” que concluem pela deflagração (ou não) de um alerta de emergência nas redes locais de vigilância? O projeto lança mão de pesquisa etnográfica multisituada, com a combinação de observação participante, entrevistas e análise de documentos, plataformas e outras tecnologias –tanto junto a centros/projetos nacionais e regionais de coleta e manipulação de dados, bem como junto a departamentos e redes de emergência em saúde pública. Ao seguir os dados, este projeto busca examinar criticamente os efeitos locais dos atuais esforços da Organização Mundial da Saúde de produzir um mundo mais bem preparado para as próximas epidemias e pandemias através do fortalecimento dos chamados sistemas globais de “vigilância em tempo real”.
Determinação Social da Saúde: um paradigma epistemológico dialético a serviço da saúde e da vida – Helton Barbosa Damiani (Fiocruz)
O “paradigma” Determinação Social da Saúde se origina na Medicina Social Latino Americana/Saúde Coletiva a partir dos anos de 1970, marcado pela busca de se desenvolver uma ciência segundo as necessidades Latino-americanas. Ainda em construção, ele se mostra uma importante ferramenta para desenvolver saúde, enfrentando a força capitalista neoliberal. O objetivo deste trabalho é demonstrar como o paradigma epistemológico da Determinação Social da Saúde é um importante instrumento de intervenção social libertadora no campo da Saúde Coletiva na América Latina. A metodologia utilizada foi estudo teórico epistemológico, para compreender a Determinação Social da Saúde como paradigma latino-americano eficiente e crítico. Usou-se a revisão narrativa crítica. Utilizou-se os bancos de dados Pubmed e o Portal CAPES, Scielo e o Google, usando como descritores “Determinação Social”, “Determinantes Sociais da Saúde”, “Epidemiologia Crítica”, “Jaime Breilh”. Como resultado, encontrou-se um paradigma pautado no materialismo dialético que compreende a saúde por meio de processos críticos que envolvem os modos de produção (universal), as classes sociais (particular) e os indivíduos (singular) interligados não linear, mas dialeticamente. Ele não é determinista e se difere da linearidade dos Determinantes Sociais da Saúde. Portanto, se conclui que a Determinação Social da Saúde é capaz de compreender o processo saúde/adoecimento para além da biomedicina, envolvendo as dimensões sociais, econômicas e políticas, contra-hegemônico, traz uma práxis social político libertadora.
Saúde do professor universitário: o sentido do trabalho e o tempo como elementos de constituição da subjetividade – Pedro Moreira da Silva Neto (UTFR); Maria Sara de Lima Dias (UTFPR).
Pretendeu-se discutir a saúde do professor tomando como referência duas categorias teóricas, em primeiro lugar o sentido do trabalho em suas multiplas dimensões e a categoria do tempo. Tais dimensões se inter-relacionam como elementos que constribuem para a constituição de uma subjetividade voltada para a saúde ou a doença. No diálogo entre o campo CTS e a psicologia social do trabalho se concebe a temática dos sentidos em sua regulação de singularidades promovendo antinomias e contradições. Ao se tratar de uma sociedade da informação na qual a regulação do trabalho exige o uso cotidiano de uma tecnologia que modifica a forma, o processo e o produto do trabalho docente, os sentidos do trabalho se alteram e convertem-se em falta de significação da atividade em si. Tal modo de produção do processo de ensino e aprendizagem pode contribuir para a desvalorização social da profissão. Discutimos o sentido do trabalho relacionado com a profissão docente, bem como a burocracia que sobrepõe ao professor uma responsabilidade extra analisada a partir dos pressupostos do materialismo dialético. Quanto à dinâmica do tempo algo em constante falta que ocasiona o estresse, descaracterizando a atividade do professor, tempo como dimensão fracionada de ações entre o espaço produtivo do sujeito singular que mesclam o público com o privado e geram uma condição psicológica de adoecimento. Na prática social o docente está subsumido às regulações e normativas instituídas, estas dimensões do sentido do trabalho e do tempo afetam objetivamente a constituição da subjetividade do docente.
Envelhecimento populacional e mudanças climáticas: Tecnologias Sociais para um envelhecer sustentável e inclusivo – Wálisson Pereira Soares (UNIFEI), Luiz Felipe Silva (UNIFEI), Gustavo Martineli Massola (USP)
O envelhecimento populacional é uma realidade crescente, especialmente nos países em desenvolvimento, e impõe desafios sociais, econômicos e ambientais. No contexto atual, os impactos das mudanças climáticas agravam ainda mais as vulnerabilidades da população idosa, afetando diretamente sua saúde física e mental. Este trabalho tem como objetivo discutir como as Tecnologias Sociais podem ser utilizadas de forma estratégica para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, promovendo a inclusão, a resiliência e a melhoria da qualidade de vida dos idosos. A metodologia adotada foi de caráter qualitativo, exploratório e descritivo, fundamentada em revisão bibliográfica. A análise revela que as Tecnologias Sociais tais como redes de apoio comunitário, metodologias participativas, bricolagem social e tecnologias de informação para gestão de riscos, são fundamentais para fortalecer a autonomia e reduzir desigualdades em cenários de vulnerabilidade socioambiental. Ao integrar conhecimentos populares e científicos, essas tecnologias oferecem soluções adaptativas que contribuem para um envelhecer digno e sustentável, além de gerar impactos positivos na construção de comunidades mais resilientes, diante dos desafios climáticos. Por fim, o estudo reforça a importância de políticas públicas que incorporem as Tecnologias Sociais como instrumentos estratégicos no enfrentamento das mudanças climáticas, especialmente para garantir os direitos da população idosa.