Resumo: Mais do que um movimento de ideias, o movimento Ciências-Tecnologias e Sociedade pressupõe a mediação teoria & prática, via práxis, como forma de pautar ou subverter a pesquisa e o desenvolvimento tecnocientífico, de modo a colocar os benefícios sociais proporcionados pela ciência e tecnologia a serviço de fins coletivos, críticos e solidários. Assim, as bases epistemológicas e pautas de pesquisa necessitam ser radicalmente democratizadas, com a finalidade de promover o desenvolvimento amplo de outras sociedades possíveis. Para tanto, tal desenvolvimento deve estar compromissado com os interesses públicos, ser acessível a todas/os e ser construído em conjunto com os grupos sociais e comunidades diretamente implicados (co-criação), num processo que proporcione diálogo e construção de conhecimento, assim como empoderamento e emancipação.
Nesse sentido, este grupo de trabalho visa debater experiências que articulam o pensar e o agir para a compreensão e a solução de problemas reais complexos. Aliada aos fundamentos das tecnologias sociais e da engenharia engajada, esta proposta procura debater experiências sustentadas na teoria & prática, visando enfrentar problemas estruturais da sociedade brasileira e pensar e agir na construção de alternativas de futuro capazes de proporcionar aprendizado, cidadania e emancipação. As perguntas que aqui emergem são muitas: o que transformar? (quais as prioridades de mudança para diferentes atores no campo? Que ideias alternativas estão em questão?); como transformar? (quais intervenções defendemos e quais recusamos?); quais os condicionantes de possibilidade? (que contextos são necessários para ações de práticas transformadoras?). Objetivos: Debater experiências pedagógicas inter e transdisciplinares (universidades) e políticas (redes, movimentos, políticas públicas) que sejam capazes de descolonizar saberes e desafiar os Estudos CTS com ações práticas e articuladas com atores sociais; Discutir as novas tendências da relação entre ensino, pesquisa e extensão nos Estudos CTS, incluindo ferramentas, concepções e os desafios de uma extensão transformadora;
Refletir sobre o enfrentamento de problemas reais a partir da busca da emancipação, da solidariedade e da ação cidadã em territórios específicos; Avaliar experiências em projetos sociotécnicos que envolvam, perspectivas interepistêmicas e construção participativas.
Coordenadores: Fábio Luiz Tezini Crocco (Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA), Ricardo Jullian da Silva Graça (UFRJ), Roberta de Fátima Rodrigues Coelho (IFPA), William Santos de Assis (UFPA).
Debatedora: Sandra Rufino (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
17/09/2025 – Sessão 01
- Horário: 14:00 – 16:00
- Local: Mirante do Rio – sala 208 (2o andar)
A construção da Carta de Direitos Climáticos por Icoaraci: incidência política e defesa do bem viver nas periferias amazônicas – Andressa D’Angelis Silva Santos (UFPA), Talita de Oliveira Mendes (UFPA)
A pesquisa fala sobre a experiência da construção da “Carta de Direitos Climáticos por Icoaraci: Um Manifesto pelo Bem viver” e sua utilização como incidência política da sociedade civil dentro e fora do território. O documento, elaborado em 2024 e lançado em 2025, está dividido em cinco eixos contendo percepções dos efeitos da crise climática pela ótica dos moradores, as denúncias de mazelas estruturais em serviços básicos e os sonhos destes habitantes. O processo de elaboração do documento foi uma iniciativa do coletivo Chibé, que atua há seis anos em Icoaraci através de múltiplas linguagens promovendo participação comunitária e mobilização social para fortalecer a identidade, a cultura e pertencimento de comunidades periféricas e tradicionais da Amazônia. Dentre os objetivos da Carta estão a identificação das demandas urgentes ligadas à justiça climática; fomentar a conscientização coletiva acerca da defesa do território e instrumentalização deste material como estratégia de organização popular; busca por soluções dos problemas apresentados e uso da Carta para reivindicar políticas públicas do Distrito. A metodologia usada foi concebida pela organização The Climate Reality Project Brasil e oferecida de forma gratuita ao público por meio do curso “Construindo Cartas de Direitos Climáticos”. Com este trabalho as autoras irão expor como foram as etapas da estruturação, lançamento e divulgação da Carta, bem como os usos educacionais, de conscientização e articulação comunitária, evidenciando a eficácia da participação popular periférica em pautas socioambientais urgentes.
Tecnologias enquanto formas de fazer mundo: como tecer horizontes de resiliência climática comunitária? – Bárbara Righi Cenci (UFRGS)
Compreendendo a emergência climática enquanto fruto de um habitar predatório em que a vida é residual (e algumas vidas ainda mais que outras, sendo tantas tampouco reconhecidas como vidas), futuros de resiliência e bem viver só podem ser gestados por modos de existir que destoam desta forma desconexa e precária de fazer mundo. Também as tecnologias compõem modos de habitar e, assim como estes, tanto são conformadas a partir de determinadas matrizes de pensamentos quanto contribuem para a produção de mundos específicos. Neste sentido, interessam as insurgências capazes de estabelecer interações salutares e, a partir destas, ser e fazer mundos mais sofisticados e aptos a sustentar vidas com diversidade e qualidade. O presente trabalho aborda reflexões aportadas por vivências no meio rural dos Vales de Maquiné, litoral norte do Rio Grande do Sul, a partir de pesquisa ação em situações de eventos climáticos extremos, analisando aspectos referentes a tecnologias, infraestruturas, organizações coletivas e estratégias de resiliência. Sem a pretensão de uma resposta única ou decisiva à pergunta que intitula esta escrita – como tecer horizontes de resiliência climática comunitária? -, nota-se que as relações solidárias e os fazeres situados tanto podem favorecer resoluções criativas para problemas comuns e a busca por soluções social e ambientalmente referenciadas, como também a consolidação de alianças territoriais e a construção compartilhada de horizontes emancipatórios, elementos fundamentais para engendrar resiliência climática comunitária a partir dos lugares.
O Estado Ecológico de Direito e a Democratização da Ciência – Heitor Antonio Cofferri (UNICAMP), Marko Monteiro (UNICAMP)
A partir da perspectiva de que o Brasil possui um déficit de 27 Mha de vegetação nativa em propriedades rurais, além de ter a ambição de restaurar 12 Mha até 2030 (Contribuições Nacionais Determinadas—Acordo de Paris), torna-se fundamental pensar, de forma interdisciplinar, três pontos principais: a) a democracia brasileira; b) o direito ao meio ambiente e; c) a efetivação do conhecimento científico na tomada de decisões realizada pela governança pública. O objetivo desta discussão é estabelecer como o estado de direito ecológico, após a Emenda Constitucional nº 45/1988, pode efetivar a democratização da ciência pela governança pública. Então, através de um procedimento metodológico dedutivo e indutivo e uma pesquisa bibliográfica exploratória poderá ser verificada as condicionantes que poderão contribuir para que o objetivo proposto seja alcançado. Esta discussão também possui o condão de trazer à tona: a) a responsabilidade do pesquisador científico ao vincular informações científicas e acadêmicas; b) a responsabilidade da governança pública ao tomar decisões que envolvem o meio ambiente; c) qual o conhecimento científico aplicável. Por fim, democratizar o conhecimento científico para que a governança pública possa, através da educação e formas que o publicizem, bem como responsabilizar os entes envolvidos na tomada de decisões, parece ser uma forma considerável de restaurar 12 Mha até o ano de 2030.
Capoeira: Tecnologia Social para Políticas Afirmativas e Extensão Universitária – Zuleika Stefânia Sabino Roque (ITA)
A capoeira pode ser entendida como tecnologia social que contribui para políticas afirmativas na educação. Seus saberes integram corpo, som e história em práticas pedagógicas que rompem com a lógica eurocêntrica, valorizando personagens, ritmos e narrativas afro-brasileiras. Relaciona-se a marcos legais como: Leis 10.639/03 e 11.645/08, Parecer CNE/CP nº 03/2004, Resolução CNE/CES nº 7/2018, PNE (Lei 13.005/2014), além da Portaria IPHAN nº 007/2008 e do reconhecimento da roda de capoeira pela UNESCO em 2014. A pesquisa foi realizada por entrevistas com 70 mestres de capoeira com mais de 60 anos, em diversos territórios, com destaque para São Paulo — ausente no dossiê original do IPHAN, centrado em Salvador, Recife e Rio. Essa exclusão revela desafios nas políticas de salvaguarda e reforça a importância de uma pesquisa-ação com escuta ativa e construção coletiva. Com base na História Oral Temática e na Pesquisa-Ação, identificaram-se demandas pelo reconhecimento da capoeira como ofício, fonte de renda e prática pedagógica. A atuação com grupos e mestres gerou um processo contínuo de diálogo e ação em patrimônio imaterial, tensionando a visão tradicional universitária que reduz a capoeira a objeto de estudo. As trajetórias de Mestres Xaréu, Sampaio, Gladson e Lobão evidenciam seu papel na promoção da justiça social, pertencimento e valorização das matrizes africanas, apontando caminhos para o ensino, pesquisa e extensão universitária afroreferenciada.
Inclusão social e sociotécnica em debate – Uma perspectiva das engenharias engajadas – John Bernhard Kleba (ITA)
Inclusão social é um tema bastante disseminado na literatura sobre CTS e sobre tecnologia social, e, ao mesmo tempo, controverso e carecendo de análise crítica mais elaborada. Este trabalho visa tecer considerações preliminares sobre a temática, motivada pela minha participação em eventos tematizando como abordar a inclusão nas engenharias, no âmbito da educação e das práticas. O objetivo do texto é exemplificar e problematizar noções de inclusão que devemos rechaçar, bem como perspectivas de inclusão emancipadoras e decoloniais as quais cabe promover. O referencial do trabalho se baseia em referenciais teóricos de padrões de exclusão social e sociotécnica, que tenho desenvolvido com colegas. A indiferença a padrões estruturais de exclusão passa caracterizar a assim chamada engenharia convencional, opondo-a à abordagem das engenharias engajadas, que rejeitam padrões de exclusão e se mobilizam para transformações sociais neste âmbito. Revisaremos formas fundamentais de inclusão da literatura, incluindo a perspectiva decolonial. E fecharemos o artigo debatendo casos selecionados de iniciativas sociotécnicas da engenharia engajada e inclusiva.
18/09/2025 – Sessão 02
- Horário: 14:00 – 16:00
- Local: Mirante do Rio – sala 208 (2o andar)
Interseções entre o Projeto Formação em Engenharia e Cidadania/ITA e o Programa Mais Ciência na Escola – Fábio Luiz Tezini Crocco (Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA), Nilda Nazaré Pereira Oliveira (ITA), Zuleika Stefânia Sabino Roque (ITA), John Bernhard Kleba (ITA)
A partir de 2025, o Projeto Formação em Engenharia e Cidadania (pFEC) do Laboratório de Cidadania e Tecnologias Sociais (LabCTS/ITA) é desenvolvido em interseção com o Programa Mais Ciência na Escola (CNPq/MCTI/FNDCT). A parceria estabelecida no estado de São Paulo entre universidades federais (IFSP, UNIFESP, UFSCAR, UFABC) e o LabCTS/ITA consagrou-se com a aprovação da proposta intitulada “Ciência Cidadã como aceleradora do letramento científico na educação pública”, que atenderá 150 escolas com bolsas para professores e alunos, recursos para a criação de laboratórios makers e formações ofertadas pelas ICTs. Com o objetivo de promover o letramento digital e a educação científica na educação básica, a proposta estimula o interesse pela ciência e tecnologia a partir de ações, iniciativas e projetos participativos, colaborativos, contextualizados e mão na massa (a partir da mediação de teoria e prática). Em São José dos Campos-SP são 19 escolas vinculadas ao Programa e atualmente seis delas (Estaduais) são parceiras do pFEC. Nestas escolas foram desenvolvidos 18 projetos no primeiro semestre de 2025 a partir de três eixos norteadores: 1. Imersão no território e mapeamento participativo; 2. Alfabetização Científica; 3. Olimpíadas Científicas: vagas olímpicas e acesso ao ensino superior ou técnico. Diante desse contexto e ampliação da atuação do LabCTS, a proposta deste trabalho é avaliar esse novo formato do pFEC e analisar a partir de dados os contextos específicos das escolas parceiras, bem como os desafios e as potencialidades de nossa atuação extensionista.
Tecnocracia e educação: uma crítica CTS ao PISA e suas implicações no Brasil – Moara Pereira de Oliveira (PUCSP)
O trabalho apresenta uma crítica ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) sob a perspectiva dos estudos CTS, questionando a neutralidade científica e os pressupostos tecnocráticos que sustentam essa avaliação internacional. A partir de uma abordagem crítica, argumentaremos que o PISA reforça uma visão reducionista de qualidade educacional, centrada em indicadores quantitativos e descontextualizados das realidades socioculturais dos países participantes. A análise CTS evidencia como a ciência e a tecnologia são práticas socialmente construídas e, portanto, qualquer avaliação que se proponha global deve considerar as especificidades locais, históricas e culturais da educação. No caso brasileiro, essa crítica ganha relevância por mostrar como os resultados do PISA têm sido utilizados para justificar reformas educacionais com foco em desempenho e produtividade, muitas vezes desconsiderando desigualdades estruturais e demandas pedagógicas locais. Ao propor uma leitura mais ampla e contextualizada da ciência e da educação, o trabalho contribui para repensar os sentidos de qualidade e equidade no ensino, especialmente em países marcados por profundas desigualdades sociais, como o Brasil. A pesquisa é relevante por abrir espaço ao debate sobre os limites de avaliações padronizadas e pela defesa de uma educação mais democrática, crítica e comprometida com a formação cidadã.
Extensão tecnológica no ensino médio: o caso do CIEP 165 – Ricardo Jullian da Silva Graça (UFRJ), Henrique Luiz Cukierman (Programa de Eng. de Sistemas e Computação-COPPE-UFRJ)
Como promover a apropriação crítica e emancipatória das chamadas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) na educação em parceria com escolas públicas? Esta é uma pergunta que o Laboratório de Informática para Educação (LIpE) tenta responder desde sua criação em 1994 na UFRJ. Dentre as diferentes tentativas de respostas, este trabalho objetiva apresentar e analisar o caminho construído por educadoras e estudantes de uma escola pública na periferia da periferia da cidade do Rio de Janeiro – o CIEP 165 Brigadeiro Sérgio Carvalho, em parceria com a universidade entre 2017 e 2023. Através deste estudo de caso, desejamos explicitar alguns dos aspectos centrais desta experiência extensionista que possam servir de inspiração para outras e diversas iniciativas. A partir de metodologias participativas, todos os envolvidos no processo, desde estudantes de ensino médio, até educadoras e universitários extensionistas participam como autores e co-autores de uma práxis educacional que busca ir além da apropriação de linguagens de programação ou do uso de computadores. Através da (re)construção coletiva do conhecimento e de práticas solidárias, seus integrantes buscam se apropriar da filosofia africana denominada Ubuntu: nós somos porque nós somos.
(Re)fazendo o Curso Tecnologia & Educação: parceria entre uma universidade federal e escolas públicas do Rio de Janeiro – Paulo Roberto de Jesus Menezes (UFRJ), Denise Cunha Dantas (UFRJ), Marcelle Magalhães Giannetti Campos da Cruz (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Ricardo Jullian da Silva Graça (UFRJ), Ana Paula Duarte Moreira (UFRJ)
O trabalho consiste em apresentar as vivências na reformulação em 2025 de um curso na área de Tecnologia e Educação. Desenvolvido pelo Laboratório de Informática para a Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a ação conta com a participação de professores e estudantes da rede pública. O objetivo principal é estimular a organização de projetos educacionais interdisciplinares que utilizem as tecnologias da informação e comunicação de forma crítica e emancipatória nas escolas e que envolvam educadores, educandos e direção escolar. A metodologia estabelecida foi definida pela participação e trocas de conhecimentos que levam em conta a conexão entre sujeitos que, ao ensinar, aprendem, e que, ao aprender, ensinam. O curso é uma referência do movimento dialógico, que promove a troca de saberes entre a universidade e outros setores da educação pública. A participação ativa e o envolvimento dos educandos evidencia uma educação viva, centrada na colaboração, na escuta e na valorização das experiências dos envolvidos. Observa-se até o presente momento a mobilização de professores e estudantes das escolas públicas de maneira efetiva nessa construção de aprendizados. Ao analisarmos os resultados, observamos que a apropriação dos conhecimentos se deu por ambas as partes envolvidas. A organização colaborativa dessas ações e a apropriação dos saberes de cada grupo revelam o comprometimento com um ensino-aprendizagem que leva em consideração o protagonismo e a promoção da autonomia dos estudantes.
Palavra e Território: Cultura Literária como Tecnologia Social em Campo Largo (PR) – Enzo Milcarek Pereira (UFPR), Luciana Milcarek (UTFPR)
Este trabalho apresenta a atuação da Academia Campolarguense da Poesia e do Centro de Letras como expressão de tecnologia social no campo da cultura, no município de Campo Largo (PR). A partir da perspectiva dos Estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), busca-se compreender como práticas literárias e ações culturais desenvolvidas por essas instituições contribuem para a democratização do conhecimento, o fortalecimento da identidade territorial e a valorização dos saberes comunitários. A literatura, nesse contexto, é entendida como tecnologia social por sua capacidade de promover inclusão, pertencimento e transformação simbólica dos sujeitos e dos territórios. O objetivo principal é investigar como essas iniciativas operam como tecnologias sociais, articulando ciência, cultura e participação cidadã. Também se pretende refletir sobre o papel da palavra como ferramenta de resistência e criação de futuros possíveis, especialmente em contextos marcados por desigualdades e apagamentos culturais. Conclui-se que ações como concursos de poesia, antologias coletivas e encontros de escritores promovidos pela Academia e pelo Centro de Letras configuram-se como práticas educativas e culturais que ampliam o acesso à cultura e à educação crítica. Ao resgatar memórias, estimular a criação e fomentar vínculos comunitários, essas iniciativas reforçam a importância de políticas públicas que reconheçam a cultura como eixo estruturante do desenvolvimento social, em consonância com os princípios do campo CTS.