Resumo: Fertilizantes, tratores, laboratórios, guias de transporte, green bonds, mercado futuro, varejistas, selos, embalagens, corpos, frutos, folhas, grãos, carne e sementes: os arranjos agro-hidro-minerais são emaranhados de atores, práticas e materialidades que conectam diferentes escalas, temporalidades e formas de conhecimento para produção de commodities. Os Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias têm se dedicado a compreender como expertises e tecnologias reconfiguram os circuitos de produção, distribuição e qualificação de alimentos e commodities, ao mesmo tempo em que aprofundam tensões ambientais, controvérsias e novas práticas de regulação e contestação. Tais reflexões assumem maior relevância frente à crise socioecológica associada às mudanças climáticas, ao aumento da insegurança alimentar e ao surgimento de novos riscos e patógenos vinculados aos formatos tecnológicos adotados para a produção agroalimentar e hidro-mineral moderna, frequentemente, sob a lógica de gestão da plantation. Em paralelo, a expertise tecnocientífica, central nesses processos, tem sido tensionada por diferentes atores e movimentos que propõem alternativas ao padrão técnico instituído. Estas situações têm desencadeado experiências de ativismo nos territórios que tensionam a expertise tecnocientífica e os modelos de exploração, cultivo e comercialização instituídos, estabelecendo espaços políticos inovadores em conjunto com contra-tendências ao padrão técnico homogeneizador. Este GT pretende reunir trabalhos que coloquem em diálogo as diferentes áreas das Humanidades (Antropologia, Sociologia, Ciência Politica, Geografia, Relações Internacionais, dentre outras) que explorem: a) as controvérsias em torno de arranjos de agro-hidro-minerais vinculados à produção de commodities, associados, por exemplo, a riscos ambientais e à geração e produção de novas tecnologias; b) o debate sobre a expertise e tecnociência e como inovações têm atualizado relações de poder e formas de exploração dos recursos em diferentes setores de cadeias de commodities; c) Os processos de territorialização e de resistência às práticas de formação e funcionamento das cadeias de commodities e suas infraestruturas.
Coordenadoras: Ângela Camana (PPGAA/UFPA), Marília Luz David (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Eve Anne Bühler (UFRJ)
17/09/2025 – Sessão 01
- Horário: 14:00 – 16:00
- Local: Mirante do Rio – sala 206 (2o andar)
A Amazônia como fronteira de commodities: reflexões sobre a inserção do Dendê como combustível renovável e a crise climática global – Ricardo Thomaz Santos (UFPA), Roberta Cristina de Oliveira Soares (UFPA), Nírvia Ravena (NAEA)
A procura por alternativas ao uso do petróleo, a crescente preocupação com a poluição ambiental e a liberação de gases de efeito estufa, tem evidenciado a relevância da produção de biocombustíveis, destacando-se o biodiesel, o qual tem na soja cerca de 70% da matéria-prima, surgindo o dendê como uma alternativa, pois precisa de menores áreas para o cultivo, existindo no bioma amazônico cerca de setenta milhões de hectares apto para o seu cultivo. A cultura da palma de óleo promete aproveitar áreas desmatadas, tornando-as produtivas com reduzido impacto ambiental, face o cultivo permanente e à cobertura perene do solo nas entrelinhas, por leguminosas ou mesmo cultivos intercalares. Assim o presente artigo objetiva apresentar reflexões sobre a atuação do Estado Brasileiro na produção de dendê, por meio do Programa Federal de Produção Sustentável de Óleo de Palma e do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, realizando o debate entre o surgimento de dendê como solução sustentável e status atual da produção brasileira, possibilitando discutir e concluir, por meio de análise dos dados oficiais da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuária, da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, dentre outros, se, de fato, o dendê está auxiliando na transição energética ou se a sua inserção está sendo feita por uma lógica extrativista tradicional que reproduz as desigualdades estruturais do sistema-mundo, acabando por alimentar a crise ambiental global, face a expansão da monocultura e o desmatamento para sua produção, agravando as condições climáticas.
Neoindustrialização e Commodities Emergentes: Enquadramentos da Transição Energética – Pamela Kenne (PPGS), Kauã Arruda Wioppiold (UFSM)
O trabalho analisa a incorporação do hidrogênio verde como vetor estratégico da neoindustrialização brasileira, destacando suas articulações com políticas de transição energética, financiamento e inserção internacional. A partir do exame de documentos, planos de desenvolvimento e discursos de dirigentes da indústria, busca-se compreender como essa tecnologia é institucionalmente enquadrada como solução sustentável e econômica, mobilizando investimentos estrangeiros e novos formatos territoriais de produção. O objetivo é discutir se tais estratégias configuram uma modernização com mudança estrutural ou, ao contrário, a atualização de padrões históricos de dependência e especialização produtiva. O referencial mobiliza contribuições da ecologia política, da sociologia das tecnologias e das teorias institucionais, com destaque para abordagens que discutem relações desiguais nas transições socioeconômicas. A metodologia baseia-se na análise documental e de discursos institucionais, com atenção às estruturas de financiamento, dispositivos legais e sentidos atribuídos à sustentabilidade e ao desenvolvimento. Como resultado parcial, identifica-se a emergência de um léxico tecnopolítico que combina descarbonização, competitividade e protagonismo externo, mas que tende a deslocar os conflitos territoriais e políticos que permeiam as cadeias agro-hidro-minerais. Considera-se, por fim, que o hidrogênio verde foi mobilizado não apenas como inovação energética, mas como linguagem de legitimação de um novo ciclo de acumulação apoiado em formas tradicionais de extração e desigualdade.
Modelagem Conceitual de Uso e Demanda de Água em Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto: Um Ensaio Baseado em Agentes – Pedro Bordinhão dos Santos Barbosa (UFRJ)
Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto habitam o Extremo Oeste da Bahia há mais de um século, praticando agricultura e pastoreio extensivo com baixa intensidade tecnológica, dependentes de provisões naturais de água, solo e clima. Desde os anos 1980, a fronteira agrícola regional tem avançado sobre os planaltos tradicionalmente utilizados pelas comunidades, gerando restrições territoriais que comprometem a reprodução da vida material e a produção de excedentes. Buscamos identificar os elementos físicos e sociais que condicionam o uso e a viabilidade produtiva dos territórios camponeses, por meio de uma abordagem exploratória baseada em modelagem computacional. A modelagem baseada em agentes permite simular interações entre sujeitos e ambiente, considerando comportamentos heterogêneos e pressões externas, e oferece um instrumental promissor para compreender dinâmicas espaciais e demandas hídricas. A proposta parte da análise da demanda mínima de água para irrigação em uma comunidade específica, tributária de um único curso d’água, como forma de qualificar parâmetros e padrões estruturais a serem considerados em modelos futuros. A abordagem descritiva seguirá o protocolo ODD (Overview, Design concepts, and Details), com vistas a construir um modelo conceitual que represente o uso da terra, a pressão sobre recursos hídricos e os limites materiais da subsistência frente à intensificação agroindustrial.
As infraestruturas da mensuração na cadeia da “soja livre de desmatamento” – Ângela Camana (PPGAA/UFPA), Marília Luz David (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
A cadeia da soja no Brasil vem sofrendo, nas últimas décadas, pressões por parte de mercados internacionais e da sociedade civil. Tais críticas e o surgimento de mecanismos de controle de importações têm ensejado a criação de novas formas de governança e produtos que incorporam promessas de maior responsabilidade e transparência em cadeias de fornecimento. Entre eles, destacamos a “soja livre de desmatamento” ou “DCF” (Deforestation and Conversion Free) como uma alegada solução do agronegócio sojicultor que reivindica responder aos principais problemas ambientais enfrentados pelo setor no Brasil. A proposta desta apresentação oral é discutir as experiências das principais traders de soja que operam no Brasil e que elaboram soluções/produtos “livres de desmatamento” ou “responsáveis”, evidenciando as regras e modos de avaliação mobilizados para qualificar a soja, bem como quais problemas ambientais são constituídos a partir de tais normas e métricas. Para tanto, mobilizamos a literatura dos ESCT e estudos agroalimentares e tomamos como fontes de análise os protocolos corporativos para qualificar a soja como livre de desmatamento e/ou responsável, além de documentos complementares. Preliminarmente, consideramos a soja livre de desmatamento como a expressão de um novo poder tecnopolítico do agronegócio sojicultor brasileiro que incorpora a lógica da plantation na sua forma de traduzir e propor soluções para questões ambientais.
Arranjos e tensões na bubalinocultura marajoara – Laynara Santos Almeida (UFPR), Rodolfo Bezerra de Menezes Lobato da Costa (UFPR), Ângela Camana (PPGAA/UFPA)
Diversas perspectivas científicas indicam que o clima tropical e as planícies amazônicas proporcionaram um ambiente favorável à adaptação dos búfalos no arquipélago do Marajó. De rebanhos asselvajados à produção comercial de queijo, o estabelecimento deste animal em uma região de pouca expressão agropecuária se tornou um novo vetor de investimentos em tecnologias e mercado. O presente trabalho pretende explorar os projetos de “melhoramento” desenvolvidos que visam, através da tecnociência, preencher lacunas da bubalinocultura na região. Por meio de pesquisas bibliográficas e incursões em campo realizadas no eixo Belém-Marajó ao longo de 2024 e 2025, identificamos quais projetos, atores e demandas se produzem e se associam. Neste processo, constatamos controvérsias entre o pressuposto de um animal adaptado e pouco exigente, e as recentes pesquisas e intervenções que buscam suprir desde as carências nutricionais dos pastos naturais às limitações reprodutivas do animal, por meio de biotecnologias como a Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF). Esta última, que opera pela seleção genética e manejo na reprodução dos animais, tem enfrentado “resistências”, dos criadores e dos próprios búfalos, o que aponta para uma tensão entre os limites das agências humanas sobre paisagens onde não humanos engendram relações próprias.
Na trilha do arroz: agronegócio e resistências quilombolas no Arquipélago do Marajó – Monique Medeiros (UFPA), Gustavo Siqueira da Silva Pereira (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH))
Este trabalho visa refletir sobre os avanços do agronegócio, voltado ao monocultivo de arroz, no Marajó dos Campos (PA), bem como seus desdobramentos nas dinâmicas territoriais de comunidades quilombolas. Para tanto, metodologicamente, é baseado em pesquisas bibliográficas e documentais, com ênfase nas normativas e legislações sobre direitos quilombolas na esfera estadual, produções que expressam o histórico da produção da rizicultura em larga escala no território, bem como em materiais jornalísticos e/ou populares advindos de organizações comprometidas com direitos socioambientais no âmbito regional. Como resultante das pesquisas é apresentada a cronologia da chegada dos grandes produtores de arroz no Marajó dos Campos (PA), da expansão de suas áreas e da emergência dos conflitos fundiários e socioambientais, gerados sobretudo pelo uso de agrotóxicos e desvios de rios. As análises documentais evidenciam que, se por um lado, as normativas e legislações reforçam a proteção e integração de comunidades tradicionais às cadeias produtivas baseadas em uma economia denominada sustentável e socialmente justa, garantindo seu modo de vida, por outro lado, as iniciativas de resistência e denúncia quilombolas em face ao avanço do monocultivo colocam em destaque uma não concretização de suas metas e necessidade de atuar por meios alternativos ao anteparo jurídico.
18/09/2025 – Sessão 02
- Horário: 14:00 – 16:00
- Local: Mirante do Rio – sala 206 (2o andar)
A ambientalização reversa: técnicas digitais e formalismo na regulação da fronteira agrícola no Piauí – Eve Anne Bühler (UFRJ)
Essa comunicação traz uma reflexão acerca das fronteiras agrícolas, do papel atribuído a elas por diferentes agentes e da forma com a qual a questão da produção ganhou centralidade na sua legitimação, em detrimento de aspectos sociais. Frente a essas evoluções, o tensionamento das fronteiras agrícolas tem se dado cada vez mais pelo viés ambiental. Esse viés lidera também as iniciativas de regulação pública de espaços que são marcados, ao mesmo tempo, por irregularidades e que escapam em grande medida ao controle do Estado. A partir de uma análise sintética da trajetória institucional da regulação ambiental no Piauí, interrogamos a forma com a qual o estado se apropriara dessa questão e quais sentidos podemos atribuir aos instrumentos estaduais de gestão ambiental na fronteira agrícola. Observamos, em particular, em que medida a digitalização dos procedimentos sinaliza uma mudança de padrão na atuação pública, em particular na articulação entre escalas (estadual, federal e municipal) e dentro dos órgãos públicos estaduais. A pesquisa está baseada em entrevistas junto a instituições públicas, agentes econômicos e movimentos sociais, assim como em análise da regulação ambiental estadual. Frente à multiplicação de leis, normas, instrumentos e à institucionalização da atuação ambiental do estado, constatamos acrescente regularização ambiental da fronteira, sem que isso necessariamente se traduza por uma contenção da expansão agrícola ou pela sua legalidade.
O verde do metal: um olhar para o desenvolvimento sustentável na indústria minero-siderúrgica – Carolina Lara Suzuki de Matos (UFSCAR)
A indústria minero-metalúrgica está fortemente instalada no estado de Minas Gerais, se alimentando de sua ampla disponibilidade de matérias-primas, e seus impactos transpõem escalas, se fazendo presentes não só nas paisagens e no cotidiano do estado, mas também na ordem global, representando 10% das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Diante disso, essa indústria tem sido confrontada com demandas de “sustentabilidade” e tem buscado soluções para lidar com seus impactos ambientais. Em meio a este cenário, foi anunciada a chegada da empresa estadunidense Boston Metal a Minas Gerais, trazendo consigo uma nova tecnologia metalúrgica, a “Molten Oxide Electrolysis” (MOE), desenvolvida em laboratório no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Prometida como capaz de extrair metais de alto valor sem a emissão de CO2, a tecnologia foi levada para a cidade de Coronel Xavier Chaves, tendo como diferencial o uso de eletricidade como fonte energética. Seu processo levanta debates em torno da noção de “desenvolvimento sustentável”, associado à redução das emissões de GEE e, ao mesmo tempo, se propõe a reconfigurar os rejeitos da mineração industrial, historicamente marcada por seus impactos socioambientais, como possíveis “ativos”. Tendo isso em vista, esta apresentação busca refletir sobre os processos de reinvenção da indústria minero-metalúrgica a partir da criação e implantação de novas tecnologias que visam a “sustentabilidade” em associação com universidades e com o estado.
As Controvérsias das Agroestratégias da Produção de Soja na Região de Integração do Xingu, Estado do Pará. – Antonio Eduardo Gomes Monteiro (UFPA), Ângela Camana (PPGAA/UFPA)
Esta proposta tem como tema o avanço e a manutenção do agronegócio da soja no estado do Pará, especialmente na Região de Integração do Xingu. O objetivo principal é compreender as novas configurações territoriais que impulsionam as agroestratégias. A produção do território e suas territorialidades condicionam a identificação dos novos eixos de expansão do agronegócio, contribuindo para a reflexão sobre os processos sociais e ambientais. Para tanto, o trabalho se apoia em três questões centrais: o papel das tecnologias digitais, das infraestruturas e dos atores institucionais. Trata-se de um recorte, ainda em fase inicial, de uma pesquisa mais ampla que se insere no debate sobre agronegócio e mudanças climáticas na Amazônia. Interessa compreender como se estruturam as estratégias e articulações do agronegócio, especialmente aquelas vinculadas à produção de soja. Propõe-se, portanto, resgatar as dinâmicas de territorialização da região, enfatizando o contexto histórico de ocupação, marcado por conflitos fundiários, socioambientais e por projetos de desenvolvimento, tanto antigos quanto atuais. De modo preliminar, considera-se que as políticas de desenvolvimento e os instrumentos de controle ofertados pelo Estado têm contribuído para a criação de um ambiente favorável ao agronegócio, cabendo analisar os desdobramentos dessas novas dinâmicas territoriais.
Geração de energia Hidrelétrica na Amazônia e crise climática global: uma abordagem histórico geopolítica – Roberta Cristina de Oliveira Soares (UFPA), Ricardo Thomaz Santos (UFPA), Sarah Brasil de Araújo de Miranda (UFPA)
As usinas hidrelétricas compõem uma das maiores e mais importantes fontes de energia elétrica do Brasil. As barragens hidrelétricas foram construídas como parte de um grande projeto desenvolvimentista iniciado no regime militar no país. A Amazônia ocupa uma papel central na geopolítica ambiental/energética local e global. A construção de usinas hidrelétricas na região é frequentemente justificada como energia de baixa emissão de carbono, mas seus impactos ambientais como a diminuição da biodiversidade, e impactos sociais como deslocamento compulsório desafiam essa narrativa. Esse artigo analisa como a produção de energia elétrica por meio da Usina Hidrelétrica de Tucuruí se insere em processos históricos mais amplos de transformação material do sistema-mundo e como essa dinâmica afeta a resiliencia ecossistêmica da floresta, pois o bioma amazônico é sempre reinscrito em cadeias hidro-minerais de produção, circulação e consumo energético. O caso da hidrelétrica de Tucuruí é, assim, interpretado como parte de um arranjo infraestrutural que opera simultaneamente como promessa de progresso e como vetor de conflitos socioambientais intensificados pela atual conjuntura climática.
Intervenção do Capital na Amazônia: Consequências Ambientais e Sociais da Construção do Porto da Cargill na Ilha do Capim, Abaetetuba-PA – Sarah Brasil de Araújo de Miranda (UFPA), Roberta Cristina de Oliveira Soares (UFPA), Nírvia Ravena (NAEA)
Este artigo investiga os impactos territoriais e ambientais da construção do porto da
Cargil na Ilha do Capim, em Abaetetuba-PA, no contexto da intervenção do capital
nacional e internacional na Amazônia. O tema central aborda como esses projetos
afetam comunidades tradicionais, quilombolas e ribeirinhas, que veem a terra como
parte de suas atividades cotidianas, e não apenas como uma mercadoria. A relevância da
pesquisa está em destacar as desigualdades de poder existentes entre as populações
locais e os interesses econômicos hegemônicos. O objetivo consistiu em analisar esses
impactos à luz de uma revisão sistemática da literatura, que identificou lacunas e
consensos sobre o tema. A metodologia adotada envolveu a seleção de estudos recentes
(últimos cinco anos) em bancos de dados acadêmicos, considerando critérios como data
e relevância dos trabalhos. Os resultados apontam para transformações significativas na
dinâmica territorial e ambiental de Abaetetuba, ampliando as desigualdades sociais e
econômicas na região. A conclusão enfatiza a necessidade de fortalecer organizações
sociais locais como forma de resistência e luta por direitos, reforçando a importância de
uma consciência coletiva em relação às questões ambientais e sociais na Amazônia.
Entre crise e oportunidade: imaginários sociotécnicos do Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva de Hidrogênio Verde no Rio Grande do Sul pós-desastre de 2024 – Paula Mariani de Andrade (UFRGS), Marília Luz David (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
O trabalho discute como as mudanças climáticas são mobilizadas pelo Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva de Hidrogênio Verde para construir visões de futuro considerados desejáveis. A pesquisa se situa nos Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias e opera o conceito de imaginários sociotécnicos para analisar esses projetos, que são produções privilegiadas para acessar quais perspectivas de futuro estão sendo discutidas. Embora o programa tenha sido apresentado como uma estratégia de resiliência climática, especialmente após sua incorporação ao Plano Rio Grande, elaborado no contexto de reconstrução do estado após o desastre climático de 2024, observa-se que, nos materiais institucionais, a centralidade é dada ao desenvolvimento econômico e à atração de investimentos, enquanto as mudanças climáticas ocupam posição secundária como justificativa. O trabalho de campo inclui análise de documentos, falas públicas institucionais, observação participante em eventos, materiais de divulgação oficiais e entrevistas semiestruturadas com atores da rede. Conclusões preliminares ressaltam uma diversidade de opiniões de diferentes atores sobre o andamento do programa como este está estruturado, em posições de otimismo, desconfiança e apreensão, que se baseiam em qual leitura o ator faz do contexto e que fatores ele usa para a esta avaliação, como a emissão de Gases de Efeito Estufa, possíveis aplicações dos produtos gerados pela cadeia, desenvolvimento de tecnologias, democratização do processo de tomada de decisão, entre outros.
19/09/2025 – Sessão 03
- Horário: 13:30 – 15:30
- Local: Mirante do Rio – sala 206 (2o andar)
Ativismo alimentar nos territórios: a centralidade de raça, gênero e classe nas reivindicações de coletivos periféricos – Vitória Giovana Duarte (UFRGS)
Este trabalho investiga o ativismo alimentar de coletivos em Porto Alegre (RS), analisando como seus arranjos se constituem e articulam questões de gênero, raça e classe na alimentação. Foram acompanhados três casos-exemplares: Crioula | Curadoria Alimentar, Amada Massa: Clube de Pães e Cozinha Solidária da Azenha (CSA). Os objetivos incluíram: (1) mapear a constituição dos arranjos; (2) analisar como problematizam o consumo e o acesso à alimentação adequada; e (3) investigar as performances de ativismo alimentar, observando como integram questões sociais e constroem diálogos com Estado e mercado. O trabalho de campo ocorreu entre maio de 2023 e julho de 2024, com análise documental, entrevistas e observação participante. A análise dos dados foi realizada com auxílio do software NVivo. A fundamentação teórica se baseia nos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (ESCT) e em pesquisas sobre ativismo alimentar no Brasil. Os resultados demonstram que os coletivos estruturam suas práticas alimentares com foco nas dinâmicas de estratificação social, relacionando alimentação a temas como mobilidade urbana, moradia, antirracismo e cuidado. Mesmo diante de vulnerabilidades, demonstram criatividade e eficácia na resposta a crises sanitárias, climáticas e de insegurança alimentar. Propõe-se chamar suas ações de ativismo alimentar periférico, destacando seu protagonismo e a composição singular dos seus arranjos.
Sustentabilidade em Disputa: O Papel dos Agroinfluenciadores na Mediação entre Ciência e Agronegócio – Estela Vitório Pires (UFRGS), Marília Luz David (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
O agronegócio brasileiro tem se tornado um dos principais focos das disputas discursivas sobre sustentabilidade e mudanças climáticas, e não é diferente nas redes sociais digitais. Nesse contexto, destaca-se a atuação de influenciadores digitais do setor rural, agroinfluenciadores, que utilizam argumentos científicos e tecnológicos para defender práticas agrícolas e pecuárias, muitas vezes controversas, em relação às questões ambientais. Esta proposta tem como objetivo investigar como os agroinfluenciadores constroem discursos de legitimidade ambiental a partir do uso de saberes técnicos e científicos. Inserido no campo dos Estudos Sociais das Ciências e Tecnologias e da Sociologia Ambiental, o estudo busca compreender os mecanismos e estratégias de circulação desses discursos, com foco na articulação entre ciência, tecnologia, emoção e política. A metodologia adotada consistiu na seleção e análise de cinco perfis de influenciadores brasileiros com formação técnica na área agronômica, atuantes no Instagram e com postagens sobre sustentabilidade de diferentes formas. Foram analisados conteúdos publicados no feed entre junho de 2024 e junho de 2025 e nos destaques. Os resultados parciais indicam que esses influenciadores constroem uma narrativa que associa o agronegócio ao progresso tecnológico e à responsabilidade ambiental, ao mesmo tempo em que suavizam ou ocultam aspectos polêmicos do setor. A pesquisa contribui para a compreensão de como os discursos sobre sustentabilidade são moldados e disseminados no ambiente digital agropecuário.
Entre o campo e o clima: o posicionamento de associações da sojicultura brasileira frente à agenda ambiental internacional – Alessandra Waschburger (UFRGS)
Diante da expressiva contribuição da agropecuária nas emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil, este trabalho analisa como algumas das principais associações representativas do agronegócio sojicultor brasileiro se posicionam frente aos acordos climáticos e legislações ambientais internacionais. Para tanto, foram examinados documentos preparatórios para as Conferências das Partes e notícias disponíveis nos sites da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho), CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e SRB (Sociedade Rural Brasileira). Os resultados indicam a tentativa de legitimar o setor como aliado no enfrentamento das mudanças climáticas, com base em uma concepção de sustentabilidade centrada em métricas de carbono, em detrimento de outros aspectos como direitos territoriais e produção de alimentos livres de agrotóxicos. Observa-se ainda a mobilização do discurso de segurança alimentar como estratégia de defesa institucional e reforço do papel agroexportador do país. Por fim, destaca-se a conversão da crise climática em oportunidade econômica, especialmente através do mercado de créditos de carbono. Tais achados evidenciam a apropriação da agenda ambiental como instrumento de legitimação dos interesses do agronegócio.
Normas socioambientais: uma análise de como organizações não-governamentais traduzem ‘mudanças climáticas’ e ‘desmatamento’ – Marina Panziera Alves (UFRGS)
Este trabalho analisa as normas de duas organizações internacionais — o Global Reporting Initiative (GRI) e o Carbon Disclosure Project (CDP) — reconhecidas como referências na elaboração de relatórios corporativos ESG (Environmental, Social and Governance). O objetivo central é investigar quais dados ambientais são considerados relevantes para a divulgação de políticas e práticas empresariais relacionadas às mudanças climáticas e ao desmatamento, com base na análise das normas estabelecidas por essas organizações. Para tanto, o estudo apoia-se na literatura dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, bem como da Sociologia Ambiental, e utiliza como fontes analíticas tanto os guias para a elaboração de relatórios ESG quanto relatórios públicos ESG de corporações do setor do agronegócio que adotam essas normas. O estudo evidencia a complexidade do mercado de normas socioambientais e a pluralidade de abordagens adotadas por organizações como GRI e CDP. Apesar de alguns consensos, cada organização traduz os impactos com base em suas visões de mundo. Ambas priorizam as emissões de GEE para tratar mudanças climáticas, mas divergem quanto ao desmatamento. O CDP tende a alinhar suas normas aos interesses corporativos e financeiros. A pesquisa questiona os limites entre governabilidade, neutralidade e desenvolvimento sustentável.
Cultivando outros futuros: agroecologia e redes alimentares na Amazônia Paraense – Lucas Miranda de Sousa (UFPA)
Diante do avanço das cadeias de commodities na Amazônia, marcadas pelo uso intensivo de tecnologias industriais e pelo controle dos circuitos de produção e distribuição de alimentos, comunidades locais têm construído alternativas que afirmam outras formas de relação com a terra, o trabalho e a alimentação. Este trabalho parte de experiências em municípios como Barcarena e Alenquer (PA), onde agricultores familiares, quilombolas e coletivos urbanos desenvolvem práticas agroecológicas e redes alimentares baseadas na solidariedade, na cooperação e no cuidado com o território. O objetivo é compreender como iniciativas como feiras agroecológicas, bancos de sementes, moedas sociais e cozinhas comunitárias operam como formas de resistência ao modelo dominante, fortalecendo a soberania alimentar e a autonomia das comunidades. Mais do que resistência, essas práticas afirmam modos de vida que valorizam os saberes locais e reinventam as relações entre pessoas, natureza e tecnologia. São sinais de que outros futuros são possíveis, e já estão sendo cultivados.
Entre a água que falta e a norma que exige: disputas pela autenticidade do queijo do Marajó – César Martins de Souza (UFPA), Monique Medeiros (UFPA)
No Arquipélago do Marajó, Pará, as dificuldades para os produtores de queijo de búfalo, conhecido como queijo do Marajó, vem aumentando gradativamente, gerando disputas ainda maiores por práticas e acesso ao leite. Tais dificuldades estão relacionadas tanto à intensificação das normativas sanitárias quanto à diminuição da produção do leite de búfala, relacionadas à escassez de água e de alimentação adequada para os animais. À luz dessa problemática, este trabalho visa analisar os conflitos e embates entre a artesania do Queijo do Marajó — transmitida geracionalmente pelas famílias locais — e os processos de padronização exigidos pela Indicação Geográfica (IG). A investigação parte da compreensão do queijo como uma tecnologia em disputa, moldada por conhecimentos, condições climáticas e marcos institucionais, e situada nas intersecções entre tecnociência, mercado e territorialidade. Para além de pesquisas bibliográficas, em fevereiro de 2025, foram entrevistados produtores de queijo/leite, agentes da defesa sanitária, extensionistas rurais e demais representantes de órgãos públicos no Marajó. O estudo revela como o reconhecimento institucional da autenticidade — mediado por selos certificadores — gera tensões e exclusões, transformando o próprio queijo em arena de disputa entre dinâmicas locais e lógicas normativas globais. Ao evidenciar as múltiplas camadas desse conflito, o trabalho contribui para o debate sobre os arranjos agroalimentares e os desafios de territorialização de políticas de qualidade no contexto das cadeias de commodities.
Ultraprocessados e um novo regime de prazer: nutriente, indústria e cotidiano agenciados pelo paladar – Victória de Assis Menezes (UFBA), Felipe Vargas (UFRGS)
Esta pesquisa, em fase inicial insere-se no tema das modificações que o neoliberalismo traz à relação dos indivíduos com a alimentação, impondo uma nova cultura alimentar baseada no consumo de alimentos ultraprocessados. Contribuições da nutrição, sociologia e antropologia são fundamentais. Foram mapeadas 40 revistas de cada uma destas áreas afim de recobrir amplo espectro da temática. Apoiando-se e excedendo o valor do nutriente, o processo industrial e o hábito alimentar, pretende-se discutir a ideia de um novo regime de prazer. Se a comida de verdade não chega aos pratos dos brasileiros famintos e vira ausência de nutrientes; se existe uma indústria que se beneficia disso impondo padrões sociais; se o tempo de preparo e consumo do alimento se aceleram e se reduzem é porque entram em cena os ultraprocessados: alimentos sintéticos, massificados, baratos, de rápido preparo, capazes de ressignificar o cotidiano. Contudo, sugere-se algo a mais: é porque estes entram em cena de modo atrativo, apelativo ao paladar. Ocorre uma dupla alienação: é imposto um modelo de produção acelerado, mecanizado, reducionista, que desconecta os indivíduos de valores tradicionais, históricos e ancestrais associados à alimentação, e esta é transformada em seu valor sensorial e simbólico, apagando e substituindo memórias e identidades afetivas vinculadas ao paladar. Essa dupla alienação resulta na construção de um novo regime de prazer, moldado pelos interesses do capital, que subordinam até mesmo a experiência do sabor às dinâmicas mercadológicas.